quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

é verão!!!!!!!


tardes quentes terminam
em Crepúsculos Maiúsculos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Fio de Ariadne


teço o fio de ouro
do meu lã-birinto
afugento os monstros
mino tauro touro
com ou sem príncipe
teseu ou T
encontro a saída

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

caminho


trago um pedaço de lua na mão
traço um rastro de rua no chão
e passo...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Estrada falsa


Ela caminha sobre diamantes
Os pés refletem no rosto o brilho da estrada
O sorriso ilumina o sol
Na reta final, os pés doem
A dor mostra o brilho falso
Os diamantes são bijuterias
Não tenho braços para chorar, por isso
Não me dou o direito de sofrer
Abortou as lágrimas
Entrou em um atalho de pedras sem brilho
Com brio voltou para o abismo
Agora, só restam as pedras, ou pior
As pedradas.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Alchemy


(a)tinjo o arco
íris (in)color
do outro lado
há ouro in dolor

domingo, 15 de novembro de 2009

medida


amor teça
a dor meça

sábado, 7 de novembro de 2009

SOLver meio


o sol ca
minha rua
raio de
cobre o céu
de ver
meio da rua

domingo, 1 de novembro de 2009

A estrela do oriente


Despojada na areia morna do fim de tarde, Lúcia consulta o Doutor Mar, seu psicólogo. O sol a abandona lentamente. Ela se arrepia com o frio do vento que traz a noite e ouve o "heavy metal" das ondas que explodem, raivosas, suas espumas na praia. O Doutor Mar não está bem, parece acompanhar o ritmo do coração de Lúcia, assim como as folhas dos coqueiros acompanham o batuque do vento gelado.
A noite, já adulta, espalha suas trevas no horizonte.
De repente, um pequeno ponto de luz invade a escuridão na direção do oceano, ao longe. Lúcia se lembra dos tempos de criança, quando contava as estrelas que seu inocente olhar conseguia alcançar. Agora, essa estranha estrela desponta no horizonte, movimentando-se rumo ao norte. Num ímpeto, Lúcia decide acompanhar a estrela. Levanta-se e vai. Ao redor, só há escuridão. A areia, agora fria, dança sob seus pés. O pequeno ponto de luz no longe leste corta o breu no invisível oceano. Qual será o seu destino? Lúcia quer ir com a luz, mesmo sem saber para onde. Saber não importa, o importante é chegar.
As horas vão caminhando com a estrela. Lúcia tenta se alinhar a elas, mas o cansaço limita os seus passos. Neste escuro percurso, a areia acaba por dar lugar às pedras.
A caminhada agora é mais difícil, os pés doem, o caminho se torna íngrime, mas Lúcia não desiste.
Depois de muito subir, sente o coração bater mais forte. Mais do que o cansaço, a legria dita o ritmo de suas pulsações, porque ela está acima da estrela. Mas, neste momento de felicidade extrema, a estrela do oriente some. Atravessa a linha do horizonte e perde-se na escuridão do oceano. E Lúcia percebe-se perdida no alto da colina, no meio da treva. Só resta a ela esperar o sol voltar, para descer.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Reminiscências


Na estação da pequena cidade, eu esperava o trem que trazia a minha nova vida. Estava feliz, pois ao meu lado estava o recente marido, e, à frente, a quilômetros dali, a minha casa na cidade grande e as responsabilidades de esposa e mãe. Eu desejava as novas experiências. Finalmente, o trem chegou, o enorme bicho de ferro e aço! Ao botar os pés no vagão, pisei no futuro. O passo foi forçadamente firme, mas as pernas tremiam. Deixei para trás a cidadezinha, a família e os amigos! Acostumar-me com a cidade grande não foi fácil, mas o tempo é o melhor professor, ele nos ensina a viver de acordo com as diferentes circunstâncias. Com o nascimento de cada um dos cinco filhos, a maturidade se fortalecia e eu aprendia a lidar com os defeitos do marido, e com os meus.
Ao entrar naquele trem, eu não sabia que o futuro seria como ele: de ferro e veloz. Hoje, entro neste quarto e vejo na foto um rosto adolescente e feliz.
Eu, que jamais senti saudade da pequena cidade, embarco de volta no trem. Na chegada, o brilho do sol refletido nas ruas de pedra sabão ofuscam os meus olhos. Posso ouvir a sinfonia que resulta do atrito dos cascos dos cavalos e das rodas das charretes contra as lisas e brilhantes pedras. Sinto o cheiro de estrume. Ah! Eu gostava do perfume de cavalo que se espalhava por toda a cidade. Ainda vejo nas calçadas as árvores redondas, cuidadosamente podadas. No jardim da praça da Matriz, as azaleias dão o tom púrpuro às matinais missas de domingo. Mamãe me obrigava a ir às missas. Tão logo o padre dizia o amém, eu corria para o jardim, na ânsia de pular amarelinha com as amigas. Esse era o lado bom das manhãs de domingo.
As lembranças colocam os meus pés naquele chão novamente. Caminho em direção à ilha que eu chamava de minha. Na ponte, a boiada estourada corre ao meu encontro, o que me obriga a procurar os vãos de concreto, e, ali fico até a boiada passar, tendo a ponte sobre as mãos e as águas barrentas do rio sob os pés. Quantas vezes isso aconteceu, meu Deus? Não sei! O que só agora percebo é que eu gostava disso, me divertia. Foram tantas aventuras! Eu andava a passos de tartaruga, parava no meio da ponte com a desculpa de admirar a paisagem tão familiar. Na verdade, eu queria os bois, os desafios que eles me lançavam, os quais eu sempre vencia me jogando sob o concreto. A sensação de ter os ruminantes sobre mim sem me causar dano me dava alegria, puro êxtase de vencedora. Além dos bois e do rio, a ponte me traz outras doces recordações: os namoricos adolescentes. Meus pais nunca souberam que eu matava aula para namorar ao som das correntezas.
Eu, que jamais senti saudade da pequena cidade, me surpreendo, neste momento, segurando esta fotografia com as mãos flácidas e trêmulas. No papel amarelado meu rosto jovem e alegre ficou eternizado. No papel móvel do tempo, o futuro deixou a ferro suas marcas.
Quase um século de vida! Pouso a foto na gaveta do armário, fecho a porta do quarto na casa que o eufemismo denomina Clínica de Repouso, viro a página, e entro agora no último capítulo de minha história, que comecei a escrever com a linha do trem.

sábado, 17 de outubro de 2009

Paradox


So soul
So flesh
It is a fight!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Primavera


É tempo de florir
Então vamos abrir
As Pétalas!

sábado, 3 de outubro de 2009

O Silêncio


O que Mario Quintana e Arnaldo Antunes têm em comum?
- O silêncio.

"Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio..."

"...vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor."

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Náusea da Flor no meio do Caminho


Ela navega em ondas de letras.
Onde as palavras ventam.
Ela tenta segurar-se à nau frágil.
"Devo seguir até o enjôo?"
No movimento do vai e vem foi.
Naufrágio inevitável.
Ela perde a nau, perde o horizonte.
Onde ficou o porto?
No fundo do oceano de letras.
As borboletas se agitam no estômago.
Ela estende as mãos, encontra o espelho.
O espelho é a pedra de sal das palavras.
"No meio do caminho tinha uma pedra".
O olhar refletido apressa o vômito.
No fundo do mar de letras encontra o âmago.
Ela descobre no avesso a força.
"É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Flor Azul


no rosto a estampa:
o sorriso amarelo
que no peito estanca
o vermelho pulsante
que dos olhos precipita
em forma de lágrima
- azul - como a alma.

domingo, 6 de setembro de 2009

Faz de conta


...precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade...
...faz de conta que ela não estava chorando por dentro
- pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver...

(Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - Clarice Lispector)

domingo, 30 de agosto de 2009

Aurora


O sol desperta
Preguiçoso
Expulsa a noite fria
Empurra o azul
Expele raios
Espalha o dia
Sobre nós
Outra vez.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Crepúsculo


A tarde se arrasta
Em pernas mancas
Agarro
O derradeiro raio
De sol
Resta
No rosto o reflexo
No corpo o calor
Da noite a espera

quarta-feira, 29 de julho de 2009

na praia...


sob sombra
sobre areia
desce folha
de castanheira

sobe onda
de pensamento
sobra castelo
de vento

domingo, 19 de julho de 2009

As mordidas na maçã


Era manhã de primavera. Final da manhã. Sábado. Gracinha sai da sala de aula um pouco entediada, queria aprender novos métodos de ensino, mas o curso não corresponde às suas expectativas. Tudo bem, horário do almoço! Pausa para se refazer do tédio inicial e preparar a mente para o período vespertino.
Gracinha convida as novas colegas para uma breve visita ao parque, mas elas não aceitam. É o primeiro dia de aula, precisam conhecer a região, descobrir os melhores restaurantes e lojas para umas comprinhas após a aula. Assim, as colegas seguem caminho e Gracinha para em frente ao portão do parque. Lembranças faíscam em sua mente, como raios de uma tempestade. Aquele local foi palco de momentos felizes da menina Gracinha. Ali, parada, ela se vê novamente andando de trenzinho, correndo e rolando na grama, e dando pipoca aos macacos e aos peixinhos. Hoje, depois da reforma, não há mais animais, além dos peixes, e nem brinquedos de grande porte, somente os tradicionais balanços, gangorras e escorregadores. Gracinha sabe disso porque viu na TV. Agora, quer entrar e conferir pessoalmente.
Gracinha entra no parque. Caminha lentamente, como se quisesse retardar a inevitável constatação da mudança. O que ela viu na televisão era verdade. O parque perdeu a graça e Gracinha perdeu o parque da infância.
Mas, ainda restam os peixinhos! Gracinha caminha em direção ao lago, sobe na pequena ponte de madeira trabalhada, sobrevivente à reforma. A jovem olha para a água à espera dos peixinhos. Saca da bolsa a maçã que trouxera para o lanche. Os peixes logo começam a se exibir para a visita. Gracinha morde a maçã e se delicia com o espetáculo dos peixinhos. Minutos depois, ela tira os olhos da água e começa a olhar em volta, as árvores centenárias e as flores colorindo a bela manhã. Seu olhar itinerante percebe um senhor, parado a uma certa distância, olhando para ela. Gracinha sente um grande desconforto. De repente, ele se move e começa a se aproximar dela. Gracinha não sabe o que fazer. Sair dali ou esperar pelo estranho senhor? Decide ficar, afinal, é apenas um velho! Ele chega e, mostrando-se amistoso, se apresenta, relata nome, sobrenome e ainda diz que é aposentado do exército, que ganha muito bem. Em seguida, faz muitas perguntas à Gracinha: seu nome, onde mora, a que família pertence, o nome dos pais, se é casada ou não, enfim, uma bateria de interrogações, que ela responde com meias palavras, desconfiada. O velho volta a falar de si, quantos filhos tem, todos casados e independentes. Sempre com os olhos fixos em Gracinha, se aproxima ainda mais e diz que é casado, mas quer trocar a esposa por uma mais jovem. Neste momento, Gracinha engole, de súbito, o último pedaço da maçã, já seco e sem gosto. A mão que segurava a fruta, agora trêmula e molhada, se une à outra mão, também trêmula, e, juntas se agarram ao corrimão da ponte. Gracinha olha novamente para o lago, os peixinhos se foram. O talo da maçã caído ao chão e Gracinha sem saber o que fazer: deveria ser educada com o senhor, afinal, é apenas um velho, ou seria firme com ele, fazendo-o recobrar o bom senso e respeitar a esposa e o casamento?
Indecisa, Gracinha solta a ponte e diz que precisa voltar para o curso que faz ali perto todo fim de semana. O velho, esperançoso, promete voltar ao parque no próximo sábado. A jovem vai embora, olhando para trás. Que alívio! O velho fica parado perto da ponte, mas os seus olhos seguem Gracinha até o portão.
Já na rua, sentindo-se aliviada, Gracinha conversa consigo: será que aquele velho a confundira com aquelas mulheres que trabalham nas calçadas do parque? Não, não poderia ser, eram apenas onze e meia da manhã!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A menina do quarto rosa


Nasci numa manhã ensolarada de verão. Junto com o sol, eu trouxe luz à minha casa. A alegria incontida brilhava nos olhos e dentes de meus pais, já acostumados a dois meninos, e agora, depois de muitos anos, realizavam o sonho de ter uma menina, a filha temporã.
Cresci cheia de vontades, todas satisfeitas, mesmo que a custo de um chorinho mimado aqui, uma pirraça ali. Quando eu tinha três anos, meu pai reformou a velha casa dos fundos. Ficava escondida atrás das novas construções, mas era mais espaçosa, assim eu poderia ter o meu próprio quarto. Estava na hora de deixar de dormir com os meus pais! Quase todos os cômodos da casa foram pintados de verde piscina, menos o meu quartinho. Esse cômodo especial recebeu em suas paredes o rosa bebê, a cor do bebê da família. Isso alimentava o meu ego, uma cor só para mim, um espaço só para mim, enquanto os outros membros da família dividiam os outros quartos. Os meus irmãos, já adolescentes, dois rapazes, sempre dividiram tudo, e agora, na casa dos fundos, continuariam dividindo o quarto, pintado com o mesmo verde que as demais dependências comuns da casa.
O meu quartinho de paredes cor-de-rosa era o meu castelo e eu era a princesa dos caxinhos castanhos, como mamãe costumava dizer. Toda visita que chegava na casa era logo apresentada ao Quarto Rosa. Assim, cresci valorizando o meu quarto mais do que a mim. Ele era o meu refúgio, o único lugar onde me sentia segura. Ao abrir os olhos de manhã, eu sentia a paz rosa das paredes. Deixar o meu mundo cor-de-rosa para ir à escola era um martírio. Quando eu voltava da aula, almoçava no quarto, assistindo a Pantera-Cor-de-Rosa na TV, era o meu desenho predileto.
Minhas colegas adoravam brincar no meu quarto. Elas gostavam da cor das paredes e das bonecas, que mamãe sempre comprava em tons rosados. Todas as meninas da rua sentiam inveja de mim, pois a maioria delas não tinha o quarto próprio e, as poucas que tinham não ostentavam paredes cor de princesa. Ver a inveja nos olhos das colegas me fazia bem, me dava um certo prazer, uma alegre sensação de poder e de ser mais do que elas. À medida em que a nossa adolescência avançava, foi se tornando cada dia mais difícil manter as amizades.
Por fim, a inveja delas e a minha proposital arrogância nos separaram para sempre. Tudo bem, eu não sentia falta delas mesmo! A minha redoma rosada me bastava. Eu passava horas e horas, dias e dias conversando com as paredes. Elas me ouviam com calma e respondiam a seu modo, em dialeto de parede, que eu aprendi sem dificuldades. Com o tempo, nossa amizade enfeitada de rosa se solidificou e os nossos assuntos, de tão sólidos, se petrificaram, não tínhamos mais o que dizer, pois os assuntos de parede eram limitados e eu, limitada às paredes. Foi nesse momento que, solidárias a mim, minhas amigas rosadas criaram e me deram de presente um bichinho de estimação. Ele era gordinho, fofinho, todo cor-de-rosa, de olhos grandes e boca pequena. Seu nome é Solidão. Cuido bem do meu bichinho, alimento-o, fortaleço-o todos os dias, para que ele nunca me deixe. Solidão será sempre a minha companhia.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Luz ida


Poucas palavras cabem
No Cabo da Esperança
Ante o meu Gigante
Tormenta-me insegurança
Quem dera dar
Cabo das Lembranças!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

clariceanos...


"Porque há o direito ao grito. Então eu grito."

"Onde aprender a odiar para não morrer de amor?"

"Dá-me tua mão desconhecida porque a vida está me doendo e eu não sei como falar."

"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensei que somando as compreensões eu amava. Não sabia que somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente."

"Juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar."

"Há um silêncio dentro de mim e esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras."


Clarice Lispector

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Incêndio


o fogo brota no peito
queima as artérias
aquece o sangue
ilude o cérebro

sábado, 30 de maio de 2009

Oásis ignorado


No meio da multidão
O estande de livros
O vai e o vem
Olhar não
O vem e o vai
Parar jamais
Correm segundos minutos
As horas voam
Passos apressados voam atrás.
Parado, alheio, em vão,
O estande de livros
No meio da multidão.

sábado, 9 de maio de 2009

Livro


Tento
Ler o livro
De letras nada líricas

Quero
Caminhar nas entrelinhas
Desvendar os segredos
Fazer parte do enredo

Desejo
Dedilhar as páginas
Do meu livro de orelhas.

terça-feira, 21 de abril de 2009

transe são


pulo corda com a linha
do horizonte
brinco de esconde-esconde
atrás do arco-íris incolor
branco total?
omo sapiens
a vida não é mar
de margaridas garridas
aguerridas guerrilhas
amarga idas
e vindas
e findas.

sábado, 4 de abril de 2009

Alice no País das Buganvílias VII


Alice teve que engolir o seu orgulho para sobreviver. Percebeu que era hora de usar a esperteza. "Sim, senhora Fada Buganva, mande sua borbô me levar de volta ao meu mundo. Prometo fazer o vovô mudar de ideia, a senhora sabe que eu sempre consigo tudo o que quero, né?" O jeitinho meigo e a voz delicada de Alice fizeram com que a fada acreditasse em sua promessa. E assim Alice voltou, pendurada nas asas amarelas da borboleta. Ufa! Foi por pouco! Quando botou os pés no chão, a menina viu o avô com o machado na mão. "Espere vovô!" Ela gritou, sentindo um misto de felicidade e medo. "Me dê esse machado aqui, vovozinho! Não corte a buganvília!" Ah! Então Alice decidiu ajudar os habitantes do País das Buganvílias? Você deve estar se perguntando, não é, leitor(a)? Continuemos a leitura! "Quem vai cortar essa planta sou eu." Alice disse essas palavras com toda a firmeza que o medo lhe dava. O avô, como sempre, fez a vontade da netinha. Assim, a menina cumpriu o que disse, foi a primeira a dar machadada bem dada na buganvília, mas a machadada não foi tão bem dada assim, pois o machado era muito pesado para uma criança de sete anos. É claro que ela não conseguiu cortar tudo sozinha, mas o gostinho da primeira machadada ela teve, ah, se teve!
E lá se foi o País das Buganvílias, rendido à lâmina do machado! Alice ficou o tempo todo parada, observando a queda da planta. Depois, ajudou o vovô a jogar os galhos no terreno baldio que fica no final da rua. A irmã de Alice colheu algumas flores-folhas ou folhas-flores, sei lá, e colocou em um jarro com água para enfeitar a sala. Alice não gostou da ideia, tinha medo de ser arrastada de novo para dentro delas, por isso, nem passava na sala durante os dias em que as flores-folhas ou folhas-flores sobreviveram. Ela preferia ficar no quintal, assistindo de camarote à construção do muro. Não sei se Alice se arrependeu de não ter salvado o País das Buganvílias, só sei que ela desenhou um pé de buganvília bem bonito, pintou de lilás, colocou numa moldura e pendurou no muro. A vovó gostou muito dessa atitude da neta. "Um quadro no muro! Só podia ser coisa da cabecinha da Alice, essa fogueteira!"
Alice nunca mais tentou arrancar asa de borboletas, mas as formiguinhas, bem, essas ainda sofrem em suas mãos.

terça-feira, 24 de março de 2009

Alice no País das Buganvílias VI


A borboleta agarrou Alice com as anteninhas. A garota estava p. da vida com aquela borbô, xingou horrores, mas a borboletinha nem ligou. Jogou Alice em cima de umas folhas bem verdinhas e sumiu novamente. Quando a menina levantou os olhos, viu uma pessoa toda verde em sua frente. Não era o Incrível Hulk, nem o Incrível Miserável, tampouco um marciano. Era uma mulher de pele verde, olhos verdes, cabelo verde e vestido verde. Alice, muito encrenqueira, tratou logo de perguntar: "Por que você não usa uma roupa de outra cor? Quase não dá pra ver o seu lindo vestido. Não acha que tudo verde fica sem graça?" A mulher sorriu e disse: "Linda menina, eu não mandei a minha serva trazer você aqui para falarmos de moda, essa é uma coisa tola, com a qual só vocês, humanos, se preocupam." Alice interrompeu: "Ah! Quer dizer que aquela borbô filha da p. é sua criada? Quem é você? Por que mandou me trazer aqui?" A mulher verde, meio atônita com tanta pergunta, disse: "Escute sem me interromper. Direi tudo o que você quer saber: eu sou a Fada Buganva, a guardiã da País das Buganvílias, mandei te chamar para pedir um favor." Alice, nesse momento, era só ouvidos bem abertos, tamanha a sua curiosidade! Depois de uma breve pausa, a fada continuou: "Como você sabe, seu avô está planejando construir um muro no lugar da cerca que sustenta esse país, ou seja, o pé de buganvília. Se ele cortar a planta, todos nós que vivemos aqui morreremos junto com ela." Depois de ouvir o bastante para satisfazer a sua curiosidade, Alice não atendeu mais o pedido da fada e interrompeu: "E o quico? Quicotenho com isso? Se meu avô quer cortar a buganvília e construir um muro, eu não posso fazer nada, eu nem moro aqui, só venho passar as férias. A casa é dele, o quintal é dele, a buganvília é dele, foi ele que plantou, quer dizer, foi minha avó que plantou." A fada, procurando se controlar para não dar uma bofetadas na menina, falou: "Seu avô gosta muito de você porque você é uma criança inteligente e sagaz, se você pedir com jeitinho para ele não cortar a buganvília, ele atenderá seu pedido." Alice, que já estava p. da vida, ficou ainda mais, super, mega, ultra p. da vida. "Não adianta puxar o saco, dizendo que sou inteligente ou sei lá o que. Detesto gente bajuladora. Não vou pedir nada ao meu avô. Quer saber?! Vou ser a primeira a dar uma machadada bem dada nesta planta." A Fada Buganva, percebendo que falar manso com Alice não adianta, mudou o tom da voz e falou rispidamente: "Se você não se comprometer em nos ajudar, nunca mais sairá daqui e morrerá conosco, quando aquele velho caquético der machadadas bem dadas nesta planta." E agora, leitor(a)? Será que Alice vai mudar de ideia e ajudar a salvar o País das Buganvílias? Cenas do próximo e último capítulo.

domingo, 15 de março de 2009

Alice no País das Buganvílias V


Quando estendeu a cestinha para o noivo pegar as alianças, Alice perguntou baixinho: "Por que você tá tão triste no dia do seu casamento?" O noivo olhou para Alice com seus cinco olhos - isso mesmo, não se assuste, leitor(a), as abelhas têm cinco olhos! - Bem, como eu ia dizendo, ele olhou para Alice e disse: "O que é isso, menina, vê se é hora de fazer perguntas?! Depois do sim eu te respondo". A garota compreendeu e se conformou em esperar, mas esperar era coisa que ela não sabia fazer, por isso, tão logo o Zangão desceu do altar, tratou logo de puxá-lo para um cantinho, enquanto a noiva recebia os cumprimentos dos convidados. "Então, por que você tá triste?" Ele, um pouco surpreso com a pergunta, disse: "Você não sabe?" Alice, muito malcriada, interrompeu o Zangão: "Se eu não soubesse, não estaria perguntando, oras bolas!" Zangão nem ligou para a malcriação da menina, deu um profundo suspiro e disse: "Estou angustiado porque daqui a pouco cumprirei minha missão neste mundo, ou seja, fecundar a Abelha Rainha, fazer um montão de abelhinhas e... morrer!" Alice entendeu, mas não aceitou. "Por que morrer? Você precisa ficar aqui para ajudar a mãe a criar os filhos". "Olha, menina, as abelhas não precisarão de mim, depois que eu fizer os filhotinhos. Elas dão conta de todo o trabalho na colmeia, por isso, nós, machos, somos poucos e vivemos só até a noite de núpcias, quando, finalmente, cumprimos o único trabalho que nos é designado". Alice, imediatamente, pensou nos humanos. "Sabe, Seu Abelho, eu acho que as mulheres tão ficando iguais as abelhas, só falta elas matarem os maridos, hahahahahah!" O Zangão não achou graça nenhuma, saiu de perto da menina e foi para o meio do salão, pegou sua noiva e, juntos, levantaram voo, o voo da vida e da morte.
Enquanto Alice olhava para cima tentando enxergar os noivos pela última vez, eis que ela aparece novamente. Ela quem? Você está se perguntando, não é, leitor(a)? Ela, a borboleta de asas amarelas, mais amarelas do que o amarelo do ouro. Você já esqueceu?! A borbô que trouxe Alice ao País das Buganvílias. E agora, para onde ela levará a menina? Eu também quero saber!

sexta-feira, 6 de março de 2009

Alice no País das Buganvílias IV


Alice se sentou, estava muito cansada. "Largatinhas queridas, voltem ao seu tamanho normal." As lagartas se olharam sem entender nada. "Como assim, voltar ao nosso tamanho normal? Então, Alice entendeu que era ela quem não estava no tamanho normal. Aí, se lembrou de que isso aconteceu com a Alice da historinha. Deu um grito desesperado: "eu diminuí! E agora, será que vou ficar diminuindo e crescendo, como a outra Alice?" A lagarta chefe fez sinal para as outras se afastarem e se aproximou da menina, que ainda estava em pânico. "Sim, você diminuiu, mas não se preocupe, não vai ficar diminuindo e crescendo, não. Você só diminuiu para entrar no País das Buganvílias, e, se crescer, não caberá aqui." A voz calma da lagarta fez Alice se acalmar. "País das Buganvílias? Que lugar é esse? Além de largatas, tem outros bichos? Todos falam?" A garota estava muito assustada, mas a curiosidade era maior que o medo. A lagarta disse que o País das Buganvílias é habitado por borboletas, grilos, besouros, e que, elas, as lagartas, eram larvas desses insetos. Disse que tinha abelhas também, mas essas não se misturavam com os outros. E todos sabem falar. Nesse momento, Alice ouviu um barulhão tremendo. Era o exército de abelhas guerreiras. Elas vinham voando baixo, mas, desta vez, a missão era de paz. Elas anunciavam o casamento da Abelha Rainha. De repente, uma delas agarrou Alice com suas patinhas peludas. A menina se assustou, mas logo percebeu que estava sendo levada à festa de casamento. Ao chegar no Castelo das Colmeias, a criança se encantou com as paredes de cera pintadas com mel. Quando já ia metendo o dedinho para pegar um pouquinho de mel, uma das abelhas veio depressa com uma cestinha na mão, quer dizer, na patinha, dizendo: "tome, menina, leve as alianças, você será a dama de honra." Alice, ainda meio assustada, pegou a cesta, pisou no tapete vermelho, estendido da porta até o altar feito de própolis, e foi. Lá estavam os noivos. A Abelha Rainha era a noiva abelha mais bonita que Alice já viu - também, nunca tinha visto outra abelha noiva antes - ela estava com uma extensa grinalda amarrada nas anteninhas, estendida até as patinhas depiladas. O noivo era um lindo Zangão, que mais parecia o Brad Pitt das abelhas. Mas, aquele rostinho bonito estava triste. Será por quê? Pensam que Alice não perguntou? Hum! Perguntou sim, curiosa como só ela!

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Alice no País das Buganvílias III


"Mas é claro! Coisas fantásticas já estão acontecendo! Voar dentro das buganvílias pendurada nas asas de uma borbô, aaaaaiiii!" A borboleta soltou Alice e ela caiu no meio dos espinhos. Só nesse momento, a menina percebeu que não via mais os raios de sol atravessando as folhas, não ouvia mais o barulho dos carros na rua e não sentia mais o cheirinho do almoço que a vovó fazia. O sol não estava lá, mas o lugar era claro, claríssimo. Era um lugar estranho, havia muitos bichinhos se mexendo. "Espere aí, esses bichinhos são, são... largatas! Argh! Que nojo!" Alice sentia uma enorme repulsa por aqueles bichinhos molengos, por isso, ameaçou correr, ir para bem longe, o mais longe possível, mas foi cercada pelas lagartas. "O que você disse, menina?" Alice arregalou os olhos, nunca tinha visto, nem ouvido uma lagarta falar. "Você tem nojo de nós? Não sabe que nos transformamos em lindas borboletas, como essa que te trouxe aqui?" Alice estava começando a ficar com medo, porque todas as lagartas a cercavam, não deixando espaço para ela passar. Ela queria pisar nelas, amassá-las, como fazia no quintal da vovó, mas não podia, porque, à medida que os rastejantes bichinhos se aproximavam de Alice, cresciam até se tornarem do seu tamanho. "O que é isso? Me deixem sair daqui!" Gritou Alice. "Você vai ter que nos pedir desculpas, nós não somos nojentas, somos limpinhas." Alice ficou indignada! "Eu, pedir desculpas a largatas?!" Mesmo com medo, a menina não dava o braço a torcer, pedir desculpas era coisa que ela nunca fez na vida, e não seria para simples lagartas que ela faria. "Esperem um pouco, largatinhas, podemos ser amigas". Alice era dissimulada e esperta. Decidiu que sairia do meio das lagartas sem se desculpar. Será que ela conseguiu? O que você acha, leitor(a)? Veremos, ou melhor, leremos.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Alice no País das Buganvílias II


A borboleta ficou parada olhando para a menina. Alice, então, percebeu os pequenos olhos borbolêticos e esticou os braços lentamente, querendo pegá-la pelas asas, mas o bichinho movimentou suas asas amarelíssimas, o que provocou um vento estranhíssimo. Alice não desistiu. Agora, mais do que nunca queria pegar aquela borboleta e arrancar-lhe as asas. E num brusco movimento a garota partiu para cima da borboleta! Conseguiu pegá-la? Você está curioso(a), não é leitor(a)? Sim, Alice finalmente conseguiu segurar o aéreo bichinho pelas asas. Então, começou a se dar por vencedora, mas logo percebeu que havia algo de errado. Alice puxava as as asas amarelas com força e quanto mais puxava, menos as asas vinham em suas mãos. A menina já estava bufando de raiva quando, de repente, a borboleta levantou voo. E, olha que maravilha! Alice foi junto, pendurada nas pequenas asas. Ela não entendeu nada. "Como pode uma borboletinha tão pequena carregar uma menina do meu tamanho?" Alice só tinha sete anos, mas era grande e forte, mais encorpada que as outras meninas dessa idade. Assim, voando nas asas amarelas, Alice se lembrou das formigas que vinham penduradas nas folhas. O que Alice fazia com elas? Você se lembra? Isso mesmo, esmagava as bichinhas! "Será que essa borbô vai me esmagar também?!" Alice se desesperou e, só então tentou, sem sucesso, se desgrudar das asas. E a borboleta continuava voando com Alice pendurada. Veja, que curioso! A borboleta voava no meio das buganvílias que cercavam a cerca, entre os galhos frondosos e espinhentos. Alice cada vez mais entendia menos o que estava acontecendo. De repente, ela se lembrou da Alice de Lewis Carroll, aquela que entrou numa toca, correndo atrás de um coelho. "Ah! Será que vão acontecer coisas fantásticas comigo, assim como aconteceu com a outra Alice?!" Alice começou a gostar dessa história.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Alice no País das Buganvílias I


Alice era uma menina esperta, muito esperta, levada e bonita. Estava brincando no quintal da casa da avó, sozinha, pois a irmã mais velha não quis saber de brincadeira. Na verdade, as outras crianças não gostavam de brincar com Alice. Ela era muito dominadora, mandona, gostava de determinar o que, onde e quando brincar. E ai de quem não cedesse aos seus caprichos! Bem, aquele dia em que ela brincava sozinha estava lindo, o céu estava mais azul, as nuvens estavam mais branquinhas, as plantas mais verdes, o vento mais fresquinho.
Alice se deteve diante do formigueiro, viu as formigas, as mais vermelhas e cabeçudas que já tinha visto na vida. Os bichinhos levavam folhas para o buraco. Alice sempre se divertia roubando as folhas das formigas, mas elas grudavam tanto nas folhas, que acabavam vindo penduradas nelas. O que Alice fazia? Caros leitor e leitora, com medo de ser picada, Alice simplesmente amassava as formigas, e isso lhe dava uma sensação de poder e força, que gostava de sentir. Mas, de vez em quando, as outras formigas davam o troco, picavam aqui, picavam acolá, e Alice, com raiva, pisava em todas e amassava tudo, folhas, formigas e o que mais estivesse no caminho. Era assim que a menina passava todas as manhãs de férias, mas aquela manhã, como eu já falei, estava especial. Alguma coisa tão especial quanto a manhã estava para acontecer.
Depois de amassar muitas formiguinhas, Alice olhou para o alto e viu uma linda borboleta amarela, de um amarelo mais amarelo do que todos os amarelos do mundo. A borboletinha fazia voos espetaculares, ziguezagueava no céu, subia e descia, e pousava. Outra grande diversão de Alice era arrancar asas de borboletas, por isso, correu atrás daquela. Mas a borboleta amarela era mais esperta. "O que é isso?", pensou Alice, "essa borboleta não pode ser mais rápida do que eu, ninguém é mais esperto do que eu". E, então, determinada a tirar as asas amarelas da borboleta, Alice seguia os seus voos. E a borboletinha subia, descia e ziguezagueava no ar, até que finalmente pousou no pé de buganvília que cercava a cerca do quintal. Alice se aproximou devagarinho...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Diário noturno


A noite acorda
Boemia traz
A lua ao lado
Leste
O meu diário
Segredo revelado
Sabes
O sentimento
Outrora guardado
Agora espalhado
Ao sabor do luar
Achaste
A chave do desejo
Escondido no passado.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O baile da madrugada


o som da chuva se mistura
ao som do ventilador
saudade em movimento
in vento ao vento
a trilha sonora do amor
que é só meu
nessa fina sinfonia
sintonizo você
no meio da madrugada
com vento ali menta a brasa
nessa louca melodia
bailamos entre mãos e pernas
pés a braços
aurora traz o dia
a chuva cessa sua música
desfaço minha harmonia

domingo, 25 de janeiro de 2009

Brincadeira


Atendendo ao desafio passado pela querida Jacinta, segue a frase que retirei do livro "Redação Inquieta", de Gustavo Bernardo:

"Tempo é dinheiro" era um dos mais importantes slogans da ideologia capitalista, e o "relógio de ponto" um dos mais importantes entre os novos funcionários criados pelo sistema.

A brincadeira consiste no seguinte: pegar o livro mais próximo, abrir na página 161, procurar a quinta frase completa, colocar no blog e passar para cinco pessoas.
Passo o desafio para Luis Caio, do "Assim eu vejo"; Paula Barros, do "Pensamentos e fotos"; Cackau Loureiro, do "Café com creme"; Carla, do "Palavras em desalinho" e o ET mais simpático da galáxia, do "Atirandeletra".

Divirtam-se!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A cena


Quatro horas da tarde. Laura estava passando rapidamente pela orla. Ela gosta de observar a praia, as pessoas no calçadão, jovens e idosos. Na areia quente ainda há gente à procura do último bronzeado. No horário de verão o sol ainda é abundante nesta hora, e perigoso. De repente, Laura avista uma senhora tirando a canga e deixando lentamente à mostra o seu corpo, digamos, grotesco. Seios e bunda fartos - fartos de banha e celulite - pensou Laura.
Dificilmente alguém olharia tanto aquele corpo, mas Laura olhou, ficou alguns segundos admirando, não o corpo, e sim a coragem da mulher, que não parecia preocupada com o que os outros iriam pensar ou dizer. Naquele momento Laura sentiu uma profunda vontade de pisar na areia e mergulhar no mar, mas as convenções a impediram. Não saiu de casa para ir à praia, tinha outras coisas para fazer. Assim, diante do desejo não satisfeito, Laura começou a se sentir estranha, a sua própria inimiga. Desta forma, percebeu que vive dividida entre o que quer e que deve fazer. Muitas vezes, o que ela quer fazer, não deve, e acaba se conformando em não fazer, por outro lado, o que não quer é o sempre acaba fazendo. Daí veio a raiva, ela teve repulsa de si, por não ter coragem de burlar as convenções.
A gorda tem coragem de mostrar suas banhas e celulites, enquanto Laura, com menos gordurinhas mau localizadas e bem menos celulite não tem coragem sequer de falar a vardade aos amigos quando recusa um convite para ir à praia, dizendo que não gosta de praia.
Aquela mulher na praia, velha e gorda, sem vergonha das suas banhas e celulites, abriu os olhos de Laura. Diante daquela cena, Laura não teve vergonha do seu corpo, mas sentiu uma vergonha muito pior...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ester


Ester caminha pela estrada
Pisa firme passos fortes
Ignora obstáculos
Transforma pedras em espumas

Ester caminha pela estrada
Deixa poeira para trás
Enxerga o mundo à sua frente
Sabe onde quer chegar

Ester caminha pela estrada
Sente a liberdade roçar seu rosto
Estende os braços toca estrelas
Dá luz à sua senda

Ester caminha pela estrada
O sol se pôs
A noite dormiu
Mais um ciclo venceu

Ester caminha pela estrada
O sol surgiu
O dia acordou
Mais um ciclo venceu

Ester caminha pela estrada...

sábado, 3 de janeiro de 2009

Sabor de infância


Na casa da prima, ao olhar aquele quadro na parede, Clara visualizou a sua infância. Lembrou das deliciosas viagens de trem para Minas Gerais. Ela gostava das paisagens ao longo da estrada de ferro: os pastos verdinhos, os bois no alto das colinas, o doce Rio Doce, com suas águas barrentas seguindo o caminho inverso ao do trem. Mas, o que Clarinha mais gostava era de olhar para baixo e ver o movimento da linha entrando e saindo de debaixo do trem. Ah! Aguardava ansiosa a chegada do túnel. No escurinho, sentia um ar de mistério, algo inexplicável, que logo se desfazia com os primeiros raios de luz, que novamente invadiam o vagão.
Ao desembarcar na estação da pequena cidade, toda brilhosa - pó de minério para ela era purpurina - Clarinha se sentia feliz porque ia rever a encantadora casa da tia, com suas janelinhas azuis, e cercada pelas frondosas mangueiras do quintal. Das janelas, Clarinha estendia os pequeninos braços e pegava as suculentas mangas; em outros momentos, a menina pulava a janela e ia se deitar sobre a espessa raiz do pé de manga espada, ela gostava de ficar espiando os pedacinhos de sol que atravassavam as folhas. Quando se cansava de brincar com os raios de sol, Clarinha escalava a mangueira e, lá do alto, jogava os caroços de manga no telhado da casa, que, vista de cima, parecia casinha de boneca.
Numa dessas viagens, a prima Sandra deu para Clarinha uma enorme boneca. Felicidade igual, a menina jamais experimentara, já sonhou ganhar uma boneca quase do seu tamanho, mas não esperava que um dia esse sonho se tornasse realidade, pois sabia que seus pais jamais poderiam lhe dar um presente caro assim. Mas a boneca dos sonhos veio de onde Clarinha não esperava. É verdade que era uma boneca velha, com a qual a prima, já mocinha, havia enjoado de brincar e, para não jogar fora, deu para a priminha, mas, para Clarinha, isso não tinha importância, era o melhor presente que já recebera na vida. Não desgrudava da boneca.
Na volta para casa, só alegria! Na estação, Clarinha via o trem vindo de longe, serpenteando pelo caminho de ferro. Entrou no vagão com o sonho no colo, apesar da dificuldade em carregar uma boneca tão grande. Acomodou-se na janela e veio tomando vento e pó de minério no rosto, vendo a paisagem e cantando. Colocou a boneca na janela do trem, segurando-a por uma das pernas. De repente, a tragédia! Clarinha entra em desespero. Chora, grita, berra! Não quer acreditar que seu sonho ficou na linha do trem. Na sua inocência de criança, a menina acredita que o pai possa falar com o maquinista, pedir para parar o trem, descer e trazer a sua boneca de volta. O pai, muito calmo, e, sentindo a dor da filha, insiste em dizer que nada pode fazer. A mãe, muito nervosa e envergonhada com o escândalo da filha, diz para a garota calar a boca e jogar fora a perna da boneca, e ainda aumenta mais a dor da criança dizendo que perdeu a boneca por culpa dela mesma, que se tivesse obedecido à ordem de guardar o brinquedo, nada disso teria acontecido... coisas de mãe!
Como Clara previa, jamais teve uma boneca igual àquela que teve por poucas horas. Nunca mais saboreou as mangas de Minas. A tia vendeu a casa e mudou-se para o Espírito Santo, seguindo o exemplo de todos os familiares. Usufruiu as praias por pouco tempo. Hoje, ela habita um gélido quarto de hospital, e as mangueiras que a cercam não dão suculentos frutos, no entanto, lhe dão vida, se é que podemos chamar isso de vida... Agora, as visitas que Clara faz à tia não têm sabor de manga, têm o sabor amargo de uma despedida irrevogável, mas teimosa. Mas, naquele dia, na volta do hospital, ao passar na casa da prima, Clara sentiu um gostinho de manga espada quando deteve-se por instantes diante de parte da sua infância pendurada na parede da sala.