sexta-feira, 10 de julho de 2009

A menina do quarto rosa


Nasci numa manhã ensolarada de verão. Junto com o sol, eu trouxe luz à minha casa. A alegria incontida brilhava nos olhos e dentes de meus pais, já acostumados a dois meninos, e agora, depois de muitos anos, realizavam o sonho de ter uma menina, a filha temporã.
Cresci cheia de vontades, todas satisfeitas, mesmo que a custo de um chorinho mimado aqui, uma pirraça ali. Quando eu tinha três anos, meu pai reformou a velha casa dos fundos. Ficava escondida atrás das novas construções, mas era mais espaçosa, assim eu poderia ter o meu próprio quarto. Estava na hora de deixar de dormir com os meus pais! Quase todos os cômodos da casa foram pintados de verde piscina, menos o meu quartinho. Esse cômodo especial recebeu em suas paredes o rosa bebê, a cor do bebê da família. Isso alimentava o meu ego, uma cor só para mim, um espaço só para mim, enquanto os outros membros da família dividiam os outros quartos. Os meus irmãos, já adolescentes, dois rapazes, sempre dividiram tudo, e agora, na casa dos fundos, continuariam dividindo o quarto, pintado com o mesmo verde que as demais dependências comuns da casa.
O meu quartinho de paredes cor-de-rosa era o meu castelo e eu era a princesa dos caxinhos castanhos, como mamãe costumava dizer. Toda visita que chegava na casa era logo apresentada ao Quarto Rosa. Assim, cresci valorizando o meu quarto mais do que a mim. Ele era o meu refúgio, o único lugar onde me sentia segura. Ao abrir os olhos de manhã, eu sentia a paz rosa das paredes. Deixar o meu mundo cor-de-rosa para ir à escola era um martírio. Quando eu voltava da aula, almoçava no quarto, assistindo a Pantera-Cor-de-Rosa na TV, era o meu desenho predileto.
Minhas colegas adoravam brincar no meu quarto. Elas gostavam da cor das paredes e das bonecas, que mamãe sempre comprava em tons rosados. Todas as meninas da rua sentiam inveja de mim, pois a maioria delas não tinha o quarto próprio e, as poucas que tinham não ostentavam paredes cor de princesa. Ver a inveja nos olhos das colegas me fazia bem, me dava um certo prazer, uma alegre sensação de poder e de ser mais do que elas. À medida em que a nossa adolescência avançava, foi se tornando cada dia mais difícil manter as amizades.
Por fim, a inveja delas e a minha proposital arrogância nos separaram para sempre. Tudo bem, eu não sentia falta delas mesmo! A minha redoma rosada me bastava. Eu passava horas e horas, dias e dias conversando com as paredes. Elas me ouviam com calma e respondiam a seu modo, em dialeto de parede, que eu aprendi sem dificuldades. Com o tempo, nossa amizade enfeitada de rosa se solidificou e os nossos assuntos, de tão sólidos, se petrificaram, não tínhamos mais o que dizer, pois os assuntos de parede eram limitados e eu, limitada às paredes. Foi nesse momento que, solidárias a mim, minhas amigas rosadas criaram e me deram de presente um bichinho de estimação. Ele era gordinho, fofinho, todo cor-de-rosa, de olhos grandes e boca pequena. Seu nome é Solidão. Cuido bem do meu bichinho, alimento-o, fortaleço-o todos os dias, para que ele nunca me deixe. Solidão será sempre a minha companhia.

6 comentários:

Luiz Caio disse...

Oi Carla! Boa noite!

Você ainda pode mudar o final dessa história, pois a solidão, não deve ser uma companheira constante e definitiva... Tente!
A vida nos ensina e nos ajuda a crescer!

BEIJOS, QUERIDA FLOR!

TENHA UM LINDO FINAL DE SEMANA!

Jacinta Dantas disse...

Romper as paredes da redoma: eis o desafio. Mas a menina encontrará o jeito de valorizar e curtir outras cores, todas as cores.
Adorei seu texto, menina. É lindo!
Beijo

Dauri Batisti disse...

É bom saber: a solidão nos engana. Ela tem prazo, ela vai embora, ela não fica pra sempre. Mas ela deixa seu perfume e a gente pensa que ela ainda não se foi. Mas ela já vai longe, longe. Sabendo isto podemos aproveitar seu perfume em horas de pensar certas coisas.

Beijo.

Ilaine disse...

Carla!

A menina poderá mudar o quarto. Poderá pintá-lo de branco. E então começará a imaginar outras luzes, outras formas e muitas cores. Através do branco enxergará novos horizontes, talvez rubros, talvez dourados...

Lindo texto, Carla!

Beijo

•.¸¸.ஐJenny Shecter disse...

Ando sempre de mãos dadas com a solidão... Entendo completamente esse texto, embora nunca tenha tido paredes rosas!

Beijos e borboleteios

Luiz Caio disse...

Oi Carla! Boa tarde!

Que bom que você já está pensando na possibilidade de passar a praticar alguma atividade fisica... Esteja certa de que só lhe fará bem! Você se lembra daquele antigo proverbio chinês que diz,Corpo são, mente sã ? Então, é assim mesmo! Diga não ao estresse! rsrs


TENHA UM LINDO FINAL DE SEMANA!

BEIJOS.