domingo, 31 de janeiro de 2010

José Paulo Paes


Poeta, tradutor, ensaísta. Bebeu da fonte de Modernistas e Concretistas.
Seus poemas se destacam pela ironia que leva à reflexão.
Foi excelente tradutor de poetas latinos e de poesia erótica.
Eclético, escreveu para crianças.

Segue abaixo, uma seleção de metapoemas, uma singela homenagem a este artista, relativamente pouco conhecido:

O ALUNO

São meus todos os versos já cantados;
A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.

Intacto me revejo nos mil lados
De um só poema. Nas lâminas da estância,
Circulam as memórias e a substância
De palavras, de gestos isolados.

São meus também, os líricos sapatos
De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.

Drummond me empresta sempre o seu bigode,
Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira.


TERMO DE RESPONSABILIDADE

mais nada
a dizer: só o vício
de roer os ossos
do ofício

já nenhum estandarte
à mão
enfim a tripa feita
coração

silêncio
por dentro sol de graça
o resto literatura
às traças!


ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

a poesia está morta

mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor para salvá-la

imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres carlos drummond de andrade manuel bandeira murilo mendes vladimir maiakóviski joão cabral de melo neto paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos

não adiantou nada

em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada de ferro araraquarense

porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece nunca ter existido

nem eu


POÉTICA

conciso? com siso

prolixo? pro lixo


SEU METALÉXICO

economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos

domingo, 24 de janeiro de 2010

amanheceu...


e o sol
curioso
debruçou-se na
janela para ver
um pouco de mim
e o resto de você

sábado, 16 de janeiro de 2010

Volta ao mundo em 80 segundos


"João amava Tereza que..." Não, Drummond! Ninguém amava Tereza.
Ela sempre caía e se levantava sozinha; não havia quem lhe desse a mão. O primeiro ela não conheceu; o segundo, não sabia se existia; o terceiro, tinha certeza que não. Terezinha não era de Jesus, não foi para o convento. Abandonada pela mãe, foi para a casa da tia velha e doente. Estudou pouco e trabalhou muito. Logo a tia morreu. Melhor assim! Melhor ficar só com o computador do que com uma velha coroca. Tereza compartilhava a sua solidão com pessoas de todo o mundo, através dos satélites.
A solidão tem muitos disfarces, e Terezinha de Ninguém conheceu todos.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Receita de Ano Novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir ou receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer listas de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade