sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Fragmentos de farsa


Diluída em um cálice de vinho
Bebo os dessabores da vida
Retiro o véu que disfarça o rosto
No pálido sorriso o gosto
Doce de uva ácida
Tranco no peito a sua falta
Escrevo em líquidas linhas
Rubras letras vítreas
Atiro contra o chão a taça
Fragmento a minha farsa.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Só li dão


Solidão não me assusta
Solidifico ausências
Viram presenças.

"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."
(Clarice Lispector)

"Livros e solidão: eis o meu elemento."
(Benjamin Franklin)

"Quem não souber povoar a sua solidão, também não conseguirá isolar-se entre a gente."
(Charles Baudelaire)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Fogo gráfico


Feito fagulhas
em folha seca infunde-se
o ígneo saber
infringe a etérea arte
fende a forma fixa
incessante mente
busca o vento o fogo
faz-se vida a grafia
da face ao corpo.

domingo, 23 de novembro de 2008

Uma pausa na rotina


Lá fora, a chuva insiste.
Aqui dentro, somos todos cúmplices.
Janelas cerradas, vidros embaçados.
Lá fora, a chuva teima.
Encharca a terra, escorre no asfalto.
Aqui dentro, partilhamos o mesmo ar.
Lá fora, o tempo passa.
Aqui dentro, tudo pára.
Na ansiosa espera, vemos o que jamais vimos antes:
Mato e rio à margem do mesmo caminho.
Lá fora, as folhas dançam ao toque dos pingos.
Aqui dentro, telefones celulares são os melhores amigos.
Lá fora, os pássaros cantam a alegria da liberdade.
Aqui dentro, desejamos ter asas.
Lá fora, ambulâncias tentam correr.
Aqui dentro, a pressa é inútil.
Lá fora, a chuva persistente parece feliz.
Aqui dentro, olhamos o vidro mais embaçado, respiramos menos oxigênio.
Lá fora, a chuva, alheia ao nosso sofrimento, continua.
Pinga, molha, escorre os nossos compromissos.

domingo, 16 de novembro de 2008

Hoje tem espetáculo?


O circo está armado
Sob a lona pícaros
No picadeiro do Olimpo
Zeus comanda o espetáculo
Circe circense
Transforma o coelho em cartola
Afrodite, acredite, desiste
O voto de Minerva decide
A beleza é Psiqué(lógica)
Eros já não é
Hera já era
Cronos não resiste
Ao tempo que insiste
No bar Baco bebe fiado
Bêbedo se mistura
No cabelo da Medusa
Da ressaca ressurge
Como Fênix das cinzas.

domingo, 9 de novembro de 2008

Aventuras de arrepiar




Eram cinco meninas ávidas por aventuras: Angel, Debby, Gal, Zazá e Cacau. Subriam as longas escadas da velha igreja. Foram recebidas pelas palmeiras imperiais, que, com suas folhas inquietas, davam boas-vindas às visitantes. As amigas não imaginavam o que as esperava dentro daquele prédio histórico. Ao pisar aquele chão, pisavam o passado. Subiram as barulhentas escadas de madeira. No sótão, Zazá se encantou com o enorme mastro do santo negro, guardado no canto à espera do dia da algazarra. Zazá não resistiu à tentação de tocar o mastro. Depois, se juntou às suas amigas, que estavam indo em direção a um quarto escuro. O ranger das madeiras velhas do assoalho assustava as meninas. Parecia filme de terror. À essa altura a imaginação fluía.


Entraram no quarto escuro. Nas paredes, os pedestais com as imagens lembravam sarcófagos. Um misto de medo e curiosidade encantava Cacau, a mais fantasiosa das cinco amigas. Ela imaginava que a qualquer momento as múmias poderiam sair, enlaçá-la e levá-la para o Egito. E assim, como um passe de mágica, Cacau desvendou os mistérios das pirâmides, conheceu Tutancâmon e, transformando-se em Cleópatra, viveu dois amores, venceu e perdeu guerras, sentiu a picada da cobra... Ah! Acordou com o chamado das amigas para irem embora.


Da penumbra para o sol escaldante. Os olhos ardiam. Foi difícil descer as escadas, deixar para trás as palmeiras, o quarto escuro, o Egito. A vontade de voltar era grande, mas, sozinha, Cacau teve medo. As amigas preferiram outras aventuras.


Foram, então, ao encontro marcado com Einstein. Chegaram ao Ceará em 1911. Lá, encontraram o cientista maluco em uma de suas experiências. Era noite ao meio-dia. O relógio biológico dos pássaros não entendeu nada. Os bichinhos dormiram. Como tudo estava silenciosamente sem graça, as aventureiras decidiram sair de lá, antes que as portas do tempo se fechassem e as deixassem presas no passado.


De volta ao presente maravilhosamente barulhento, com os agudos gritinhos de crianças se divertindo no parque, as cinco meninas procuraram outras aventuras. Gal era a mais animada. Experimentou de tudo. Girou, escorregou, abaixou e elevou bolinhas, transformou-se em pêndulo. Cacau se deixou contaminar pela animação de Gal e, junto com ela, experimentou coisas novas. Arrepiaram-se, deixaram suas marcas na parede escura, fotografaram sombras. Enquanto isso, Angel, Debby e Zazá entediavam-se, já estavam cansadas.


Cacau e Gal queriam mais aventuras, mas era hora de voltar para casa. À noite, Tutancâmon, Cleópatra, Marco Antônio, Júlio César e Einstein visitaram os sonhos de Cacau.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

amar gura


a

am

ama

amar

amarg

amargu

amargur

amargura

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

No chão


Minhas palavras procuram embeber-se do vinho tinto acre seco das letras difusas. Mas, na garganta, o gosto de sangue de um grito abafado, silenciado pela incompreensão, faz as palavras bêbadas caírem tontas no chão de emoções confusas.

O chão é o limite. Como do chão não passam, minhas palavras, ainda zonzas, erguem-se depois da ressaca.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sobre vida


o sol caminha a pas

sos lentos de mãos

dadas com o tem

po de ser

tão quente a ter

ra seca mor

re parte o chão es

coa o sangue a seiva a vi

da evade sobre

vive a Forte Flor.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sentidos



A pele


Distante


Da boca


Palavras dúbias


No olhar o enigma


O ouvido a olvidar


Como é acre e doce


O aroma da dúvida.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Gênio da Lâmpada Literária


Hoje faz cem anos que ele se foi. Ou, como dizia o Rosa, "ficou encantado".

Não nascido em berço esplêndido, epilético, gago, Joaquim Maria Machado de Assis acreditou em si, quando muitos, em sua situação, não acreditariam. Sua paixão pelas letras o levou a desafiar o destino de mestiço da periferia carioca. Foi vendendo doces no colégio que Machadinho, como era carinhosamente chamado, entrou em contato com o mundo letrado. Esse foi o primeiro passo rumo ao reconhecimento por parte do público. À partir daí, o talento somado ao esforço contínuo, fez Machado de Assis se tornar um grande contista, cronista, dramaturgo, jornalista, poeta, romancista, crítico, tradutor, e mais e mais. Polivalente, transitava por várias áreas, sendo completamente competente em todas elas. Por estas e por outras, é considerado por muitos o maior nome da Literatura Brasileira.

Desde a sua primeira publicação, o poema "Ela"(1855), até o seu último romance, "Memorial de Aires"(1908), sua escrita foi amadurecendo a cada obra. Os personagens de Machado saltam das páginas. Verossímeis, retratam perfeitamente o ser humano com todas as suas imperfeições. Todo homem é um pouco Bentinho, Brás Cubas, Quincas Borba, Simão Bacamarte... Se Freud tivesse conhecido Machadinho, teria aprendido muito com ele.

E a mulher machadiana?! Todas as mulheres são um ponto de interrogação no olhar masculino. Mas Machado era diferente, entendia muito bem a alma feminina. Para ele, somos exclamação e reticências. Capitus somos todas nós! Fortes, decididas... Ambíguas, quando convém. Somos dóceis, delicadas. Temos um pouco de Helena também.

Três mulheres reais foram muito importantes para de Machadinho: a madrasta, a madrinha e a esposa. Cada uma foi o apoio e o impulso de que ele precisava em diferentes fases da vida. Com a morte da companheira, Machado passou a se sentir triste e solitário. Deixou-se levar pela morte no dia 29 de setembro de 1908. Suas obras, imortais, brilham como lâmpadas iluminando o difícil e aprazível caminho da Literatura, por onde nós tentamos seguir.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Rosa do sertão


Texto denso, palavras pesadas, algumas inventadas. Leitura difícil, e, por isso, fascinante e instigante. Assim, as pétalas de Rosa descrevem o sertão. Nonada e notudo, sua vida, sua escrita, sua invenção.

Os ventos da vida levaram Rosa para longe, mas suas raízes ficaram fincadas na terra sertaneja. Em cada país aonde Rosa, o Guimarães, ia, levava consigo a paisagem mineira, a vida nas fazendas e a linguagem pitoresca do povo. Escrever o sertão era a sua forma de reviver a infância e a adolescência.

Desde cedo, Joãozito divertia-se estudando idiomas. Poliglota por excelência, por gosto e diversão, criava suas pétalas a partir da cultura popular.

Como reconhecimento de seu talento, João finalmente assume uma cadeira na ABL. Talvez pressentindo o inevitável, em seu discurso de posse, diz: "... a gente morre é para provar que viveu". E, Apenas três dias depois, João provou que viveu.

O gênio Rosa teve vida curta, mas suas pétalas jamais morrerão!

Sim, respondo a Drummond: João era fabulista, fabuloso, fábula. Tinha pastos, buritis plantados, não no apartamento, no peito sim. Guardava rios no bolso. João era tudo escondido, florindo como flor é flor, mesmo não semeada. Embaixador do reino que há por trás dos reinos, o Reino das Palavras. Palavra-pedra-pétala de Rosa-Guimarães-João.

sábado, 23 de agosto de 2008

Olhos de sol


Um pedaço de sol

Invade o espaço

Refratário você

Rouba dele a luz

O que era um faz-se

Dois sóis em seus olhos

Brilho que reluz

Encanto que seduz

Enquanto reduz

Em reflexo minha face

Procura o calor

Que derrete a Forte Flor.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Parque Gostoso


Recorte e colagem


Na memória raios


Sem trovões vêm à tona


Infância


Domingo no parque


Segunda terça quarta


Quinta sexta sábado


Brinquedos


Gangorra balanço


Foguete escorrega dor


Bichos


Aves no viveiro colorido


Arara maritaca


Se não havia cobra


Macaco fumava


Peixe voava


No ar pegava pipoca


Viagens


Voltas no trenzinho


No meio do caminho


Tinha uma casinha


Portinha e janelinhas


Para a fantasia


Mesinha e cadeirinhas


Sete caminhas


Branca de Neve era eu


Não há maçã nem príncipe


No final.


quarta-feira, 30 de julho de 2008

Estúpido cupido


Eros uma vez

Um anjinho sem graça

Do Olimpo cuspido

Malvado cupido

Travesso intrometido

Desgraçado trapalhão

Faz o serviço errado

Acerta-me a flecha

O veneno me desperta

Mas esquece de atirar

No outro coração.


quarta-feira, 23 de julho de 2008

Abismo habitável


À beira do

Abismo estou

Sinto-me cair

Tento fugir

Atração fatal

Imensurável

Inexorável

Inexperiente sou

Relutante habitante

Do abismo...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Mergulho em verde


céu cinza

chuva fina

vento frio

mar mor

no verde bravio

quero cair

na água mor

na do mar

mergulhar

em ver

de esperança

afogar

em tempestade

a bonança.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Viagem ao passado


Hoje vi o meu ipê. Do alto da Segunda Ponte, o encanto dourado novamente tomou conta de mim. O ônibus seguiu o seu trajeto normal, mas eu, bem, eu viajei ao passado. Por instantes peguei carona nas áureas pétalas e voltei ao quintal da casa onde vivi por uma década. De repente, me vi diante do tronco do ipê sobre suas densas raízes, raízes que um dia deram uma rasteira no meu pai. Meu velhinho dizia que depois daquela bruta queda, nunca mais foi o mesmo. Passou meses doente, até que... enfim, o fim.

Mas, se as raízes levaram o meu pai, as flores trouxeram de volta vários momentos vividos ali. Afastei-me das raízes assassinas e comecei a observar as outras árvores que havia no quintal e as plantinhas tão bem cuidadas por minha mãe. Naquele breve devaneio, todas elas davam frutos e flores ao mesmo tempo. Colhi acerolas e jabuticabas maduras e, com as mãos rubro-negras, fui à procura de outras cores. Parei diante do lilás das buganvílias plantadas bem embaixo da janela do meu quarto. Seus troncos tomavam toda a parede lateral da velha casa. Elas escureciam o quarto, abalavam a frágil estrutura da casa, mas eu não me importava com isso, nem minha mãe. Ela jamais deixou meu pai cortar as flores. Mamãe e eu concordávamos com a personagem do conto "Buganvílias", de Drummond: "A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados por tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!"

Deixei as buganvílias e, caminhando em torno da casa, cheguei ao pequeno jardim do qual minha mãe cuidava com muito carinho. Ali, revi as hortênsias, as malvas as begônias, o colorido tinhorão e as rosas... pobres rosas, a grande frustração de mamãe! A rainha das flores não sobrevivia em nosso jardim! As formigas não deixavam. Não havia veneno que destruísse aquelas danadinhas! Mamãe tentou de tudo, mas acabou hasteando a bandeira branca, desistiu de cultivar as rosas.

O perfume das flores deu lugar ao cheiro de café coado na hora. Levada pelo doce aroma, entrei na cozinha e, lentamente, passei para a sala, revi os quadros que adornavam a parede, os bibelôs na estante, e fui para o meu quarto escuro, de onde, na penúmbra, admirei mais uma vez o quadro natural: a buganvília na janela. Assim, passeei por quase todos os cômodos da casa, só não consegui entrar no quarto onde vi o meu pai pela última vez. Da porta entreaberta pude vê-lo tentando sugar o último resquício de ar; essa é a lembrança mais dolorida! Imediatamente, saí dali e voltei à raiz do ipê, fui tirar satisfação, mas já era tarde! Acabaram as viagens, o ônibus chegou ao destino e eu voltei ao presente. Fui trabalhar normalmente.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Oba!!! O inverno chegou...


Fala, ipê

Neste ofício de rabiscar sobre a natureza, me reporto ao verão da minha vida, quando conversava com minha árvore de estimação, um velho e frondoso ipê amarelo que enfeitava o quintal da minha casa. O florescer da minha árvore-amiga era um deleite para os meus olhos. Suas flores, com o seu doce amarelar, destacavam-na em meio ao verde comum das outras árvores e quando elas caíam formavam um tapete dourado no chão. Então, os galhos nus logo ganhavam outra coloração, o verdinho das novas folhas que brotavam. Assim, acabava o encanto amarelo, mas a árvore continuava lá, plantada no chão, imponente e renovada. E cantando no vento, parecia me dizer: "renasci e inicio agora uma nova fase, não fique triste, ano que vem te darei outras flores". E ela não falhava. No inverno seguinte o encanto dourado voltava, alegrando os dias frios. Isto mesmo! No inverno! Era exatamente o florescer invernal da minha amiga que me fazia admirá-la, pois os ipês são árvores transgressoras, não respeitam a regra das estações do ano que dita a primavera como estação das flores e o outono, dos frutos. Os ipês, idiossincrasiamente, florescem em pleno inverno e dão frutinhos na primavera.

Os homens não são como os ipês, não transgridem as estações da vida, passam cronologicamente pela primavera da infância, pelo verão da juventude, pelo outono da maturidade e pelo inverno da velhice. E passam...

A nossa vantagem sobre as árvores é que, passamos por maiores transformações na vida, uma verdadeira metamorfose da primavera ao inverno, e, como diz o poeta Arnaldo Antunes, não ficamos presos nos passos, ocupamos mais espaços. Por outro lado, a vantagem das nossas amigas árvores é que, depois do inverno iniciam uma nova primavera, e um novo verão, e um novo outono, e um novo inverno...

As árvores passam pelas quatro estações todo ano, renovando-se sempre, mas, para nós humanos, as estações da vida só acontecem uma vez. Por isso, precisamos viver bem cada uma delas. Quando penso que poderia ter veroneado melhor, lembro-me do meu amigo ipê que, no verão é verde comum, e, quando chega o inverno, se mostra mais vivo, enquanto as suas colegas esmaecem.

Devemos aprender esta lição dos ipês: não é por acaso que eles florescem na época mais fria e escura do ano. As suas flores esbanjam vivacidade nos dias cinzentos para nos mostrar que o inverno não é tão triste quanto pensamos. Nenhuma estação do ano é melhor ou pior que a outra, cada uma traz vantagens e desvantagens, só precisamos saber enxergá-las. Da mesma forma são as estações da vida, momentos únicos em nossa breve existência. Cabe a nós tirar da natureza a sabedoria necessária para viver com dignidade cada etapa da vida, sem levar tão a sério a cronologia, pois o nosso inverno não precisa ser demasiadamente ruim e o nosso verão, não necessariamente deve ser a melhor fase da vida. Isso eu aprendi com o meu ipê que, florindo no seu inverno, enfeitava o meu verão.


sábado, 14 de junho de 2008

Encontros


O encontro marcado

O beijo na praia

Água e areia

Suave vai-e-vem

Absorvido o beijo

Ela se vai

Para voltar depois

Outro encontro

Outro parceiro

Água e rochedo

Frenético vai-e-vem

Estampido beijo

Ela se vai

Para voltar depois...

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O lixo do luxo


lixo e luxo

andam juntos

na mesma senda

acenda a lâmpada

ilumine a ilusão

ilustre lixo

lúgubre luxo

a pólis policia

atos cênicos de loucos sãos

pólis polícia política

medida

metro

metrô de superfície

submerso na super súcia

super sub

super lixo sub luxo

supra-sumo da sujeira

que se luxem na todos lixeira!

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A casa assombrada


Lembro-me da casa abandonada na velha estrada à beira do rio. Seu aspecto sombrio suscita um misto de curiosidade e medo em quem passa por lá.

Em tempos felizes foi o cenário do amor de duas almas: o senhor Domício e sua esposa. Eles cuidavam da casa, do quintal, dos animais, das plantas; enfeitavam aquele chão com flores e árvores frutíferas, que encantavam e alimentavam os banhistas que se divertiam na praia do rio, bem em frente à casa.

Um dia, o velho Domício se viu sem sua amada companheira e, sozinho, continuou a cuidar da casa. Seu passatempo era contar os "causos" aos passageiros da grande estrada que leva à cachoeirinha, o ponto turístico da região. Os conhecidos paravam para ouvir o Domício, tomar um café da roça e pegar umas frutas no quintal. Quando a visita ia embora, o velho ficava outra vez só. Seus únicos vizinhos eram as árvores, a estrada e o rio. O rio, aliás, era do Domício; os moradores da cidade, quando queriam se refrescar, diziam "vamos ao rio do Domício? Lá tem areia, pedras e sombras para fazermos piquenique". E assim, no verão o velho Domício sempre tinha companhia. Todas as vezes que eu ia àquela cidade, não deixava de ir ao "rio do Domício". Era pura diversão! Mas o tempo passou e deixou para trás os momentos felizes vividos naquele lugar.

Hoje, o rio é apenas uma porçãozinha de água que só molha as canelas. A estrada e as árvores não recebem mais os cuidados do senhor Domício; os seus "causos" dormem no silêncio. A tristeza tomou conta do lugar, só se ouve o canto do vento tocando as folhas, acompanhado pela orquestra dos pássaros. A casa está abandonada. O velho Domício virou um mito.

Diz a lenda que em noites de lua cheia o ancião passa pela estrada montado em seu cavalo branco, como Napoleão. Há quem afirme ter visto o velho em frente à casa, outros juram que viram e ouviram o trote do cavalo.

Assim, a velha casa abandonada à beira da estrada vai tomando cada vez mais espaço no imaginário do povo. Tomados pela fantasia, todos têm medo de passar perto da "casa mal assombrada" a qualquer hora do dia ou da noite.

No entanto, a casa não é mal assombrada. É bem, muito bem assombrada, pois a espessa copa das árvores que a cercam a impede de ver a luz do sol.

sábado, 10 de maio de 2008

Vou versejar


No início era o verbo

Hoje é o verso.

Vou versejar

Verter a verve versátil

Transpirar

Transmitir o sentido retrátil.

Verbo volátil

Voa no ar

Verso alado

Enleve transitar.

Verbo transitivo

Verso transe ativo.

Versos ébrios

Caem tontos

No blog branco.

Pingos de versos

Perigos diversos.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

A DROGA DO AMOR


Amor, fina dor

Em dor fina

Endorfina

Amor finda

A dor fica

A morfina.


segunda-feira, 21 de abril de 2008

MEIO-DIA EM CAMBURI


Sol no zênite, céu infinitamente azul. Na praia, areia amarela e quente ... deserta. O asfalto parece derreter com o calor. Os carros no constante vai-e-vem frenético do cotidiano. Olho para o mar - visão que refresca e alivia o meu frenesi. Preciso passar em Camburi após uma intensa manhã de estudos e antes de uma fatigante e instigante tarde de trabalho. O mar é o meu psicólogo, vê-lo é a minha terapia.




O verde-azul fresco do mar contrasta com o cinza quente do asfalto. Observo os meus companheiros de viagem. Nenhum deles olha para o mar, todos parecem muito absortos em si mesmos, não percebem nada à sua volta. O egoismo não deixa o homem entender que na natureza ele pode encontrar alívio para muitos de seus males, o stress, por exemplo.




Eu não me estresso, apesar da vida corrida de estudante-trabalhadora, porque soube escolher o meu caminho. Há outros percursos? Sim há, mas eles não têm o poder terapêutico do mar de Camburi ao meio-dia.