quarta-feira, 29 de julho de 2009

na praia...


sob sombra
sobre areia
desce folha
de castanheira

sobe onda
de pensamento
sobra castelo
de vento

domingo, 19 de julho de 2009

As mordidas na maçã


Era manhã de primavera. Final da manhã. Sábado. Gracinha sai da sala de aula um pouco entediada, queria aprender novos métodos de ensino, mas o curso não corresponde às suas expectativas. Tudo bem, horário do almoço! Pausa para se refazer do tédio inicial e preparar a mente para o período vespertino.
Gracinha convida as novas colegas para uma breve visita ao parque, mas elas não aceitam. É o primeiro dia de aula, precisam conhecer a região, descobrir os melhores restaurantes e lojas para umas comprinhas após a aula. Assim, as colegas seguem caminho e Gracinha para em frente ao portão do parque. Lembranças faíscam em sua mente, como raios de uma tempestade. Aquele local foi palco de momentos felizes da menina Gracinha. Ali, parada, ela se vê novamente andando de trenzinho, correndo e rolando na grama, e dando pipoca aos macacos e aos peixinhos. Hoje, depois da reforma, não há mais animais, além dos peixes, e nem brinquedos de grande porte, somente os tradicionais balanços, gangorras e escorregadores. Gracinha sabe disso porque viu na TV. Agora, quer entrar e conferir pessoalmente.
Gracinha entra no parque. Caminha lentamente, como se quisesse retardar a inevitável constatação da mudança. O que ela viu na televisão era verdade. O parque perdeu a graça e Gracinha perdeu o parque da infância.
Mas, ainda restam os peixinhos! Gracinha caminha em direção ao lago, sobe na pequena ponte de madeira trabalhada, sobrevivente à reforma. A jovem olha para a água à espera dos peixinhos. Saca da bolsa a maçã que trouxera para o lanche. Os peixes logo começam a se exibir para a visita. Gracinha morde a maçã e se delicia com o espetáculo dos peixinhos. Minutos depois, ela tira os olhos da água e começa a olhar em volta, as árvores centenárias e as flores colorindo a bela manhã. Seu olhar itinerante percebe um senhor, parado a uma certa distância, olhando para ela. Gracinha sente um grande desconforto. De repente, ele se move e começa a se aproximar dela. Gracinha não sabe o que fazer. Sair dali ou esperar pelo estranho senhor? Decide ficar, afinal, é apenas um velho! Ele chega e, mostrando-se amistoso, se apresenta, relata nome, sobrenome e ainda diz que é aposentado do exército, que ganha muito bem. Em seguida, faz muitas perguntas à Gracinha: seu nome, onde mora, a que família pertence, o nome dos pais, se é casada ou não, enfim, uma bateria de interrogações, que ela responde com meias palavras, desconfiada. O velho volta a falar de si, quantos filhos tem, todos casados e independentes. Sempre com os olhos fixos em Gracinha, se aproxima ainda mais e diz que é casado, mas quer trocar a esposa por uma mais jovem. Neste momento, Gracinha engole, de súbito, o último pedaço da maçã, já seco e sem gosto. A mão que segurava a fruta, agora trêmula e molhada, se une à outra mão, também trêmula, e, juntas se agarram ao corrimão da ponte. Gracinha olha novamente para o lago, os peixinhos se foram. O talo da maçã caído ao chão e Gracinha sem saber o que fazer: deveria ser educada com o senhor, afinal, é apenas um velho, ou seria firme com ele, fazendo-o recobrar o bom senso e respeitar a esposa e o casamento?
Indecisa, Gracinha solta a ponte e diz que precisa voltar para o curso que faz ali perto todo fim de semana. O velho, esperançoso, promete voltar ao parque no próximo sábado. A jovem vai embora, olhando para trás. Que alívio! O velho fica parado perto da ponte, mas os seus olhos seguem Gracinha até o portão.
Já na rua, sentindo-se aliviada, Gracinha conversa consigo: será que aquele velho a confundira com aquelas mulheres que trabalham nas calçadas do parque? Não, não poderia ser, eram apenas onze e meia da manhã!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A menina do quarto rosa


Nasci numa manhã ensolarada de verão. Junto com o sol, eu trouxe luz à minha casa. A alegria incontida brilhava nos olhos e dentes de meus pais, já acostumados a dois meninos, e agora, depois de muitos anos, realizavam o sonho de ter uma menina, a filha temporã.
Cresci cheia de vontades, todas satisfeitas, mesmo que a custo de um chorinho mimado aqui, uma pirraça ali. Quando eu tinha três anos, meu pai reformou a velha casa dos fundos. Ficava escondida atrás das novas construções, mas era mais espaçosa, assim eu poderia ter o meu próprio quarto. Estava na hora de deixar de dormir com os meus pais! Quase todos os cômodos da casa foram pintados de verde piscina, menos o meu quartinho. Esse cômodo especial recebeu em suas paredes o rosa bebê, a cor do bebê da família. Isso alimentava o meu ego, uma cor só para mim, um espaço só para mim, enquanto os outros membros da família dividiam os outros quartos. Os meus irmãos, já adolescentes, dois rapazes, sempre dividiram tudo, e agora, na casa dos fundos, continuariam dividindo o quarto, pintado com o mesmo verde que as demais dependências comuns da casa.
O meu quartinho de paredes cor-de-rosa era o meu castelo e eu era a princesa dos caxinhos castanhos, como mamãe costumava dizer. Toda visita que chegava na casa era logo apresentada ao Quarto Rosa. Assim, cresci valorizando o meu quarto mais do que a mim. Ele era o meu refúgio, o único lugar onde me sentia segura. Ao abrir os olhos de manhã, eu sentia a paz rosa das paredes. Deixar o meu mundo cor-de-rosa para ir à escola era um martírio. Quando eu voltava da aula, almoçava no quarto, assistindo a Pantera-Cor-de-Rosa na TV, era o meu desenho predileto.
Minhas colegas adoravam brincar no meu quarto. Elas gostavam da cor das paredes e das bonecas, que mamãe sempre comprava em tons rosados. Todas as meninas da rua sentiam inveja de mim, pois a maioria delas não tinha o quarto próprio e, as poucas que tinham não ostentavam paredes cor de princesa. Ver a inveja nos olhos das colegas me fazia bem, me dava um certo prazer, uma alegre sensação de poder e de ser mais do que elas. À medida em que a nossa adolescência avançava, foi se tornando cada dia mais difícil manter as amizades.
Por fim, a inveja delas e a minha proposital arrogância nos separaram para sempre. Tudo bem, eu não sentia falta delas mesmo! A minha redoma rosada me bastava. Eu passava horas e horas, dias e dias conversando com as paredes. Elas me ouviam com calma e respondiam a seu modo, em dialeto de parede, que eu aprendi sem dificuldades. Com o tempo, nossa amizade enfeitada de rosa se solidificou e os nossos assuntos, de tão sólidos, se petrificaram, não tínhamos mais o que dizer, pois os assuntos de parede eram limitados e eu, limitada às paredes. Foi nesse momento que, solidárias a mim, minhas amigas rosadas criaram e me deram de presente um bichinho de estimação. Ele era gordinho, fofinho, todo cor-de-rosa, de olhos grandes e boca pequena. Seu nome é Solidão. Cuido bem do meu bichinho, alimento-o, fortaleço-o todos os dias, para que ele nunca me deixe. Solidão será sempre a minha companhia.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Luz ida


Poucas palavras cabem
No Cabo da Esperança
Ante o meu Gigante
Tormenta-me insegurança
Quem dera dar
Cabo das Lembranças!