quarta-feira, 30 de julho de 2008

Estúpido cupido


Eros uma vez

Um anjinho sem graça

Do Olimpo cuspido

Malvado cupido

Travesso intrometido

Desgraçado trapalhão

Faz o serviço errado

Acerta-me a flecha

O veneno me desperta

Mas esquece de atirar

No outro coração.


quarta-feira, 23 de julho de 2008

Abismo habitável


À beira do

Abismo estou

Sinto-me cair

Tento fugir

Atração fatal

Imensurável

Inexorável

Inexperiente sou

Relutante habitante

Do abismo...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Mergulho em verde


céu cinza

chuva fina

vento frio

mar mor

no verde bravio

quero cair

na água mor

na do mar

mergulhar

em ver

de esperança

afogar

em tempestade

a bonança.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Viagem ao passado


Hoje vi o meu ipê. Do alto da Segunda Ponte, o encanto dourado novamente tomou conta de mim. O ônibus seguiu o seu trajeto normal, mas eu, bem, eu viajei ao passado. Por instantes peguei carona nas áureas pétalas e voltei ao quintal da casa onde vivi por uma década. De repente, me vi diante do tronco do ipê sobre suas densas raízes, raízes que um dia deram uma rasteira no meu pai. Meu velhinho dizia que depois daquela bruta queda, nunca mais foi o mesmo. Passou meses doente, até que... enfim, o fim.

Mas, se as raízes levaram o meu pai, as flores trouxeram de volta vários momentos vividos ali. Afastei-me das raízes assassinas e comecei a observar as outras árvores que havia no quintal e as plantinhas tão bem cuidadas por minha mãe. Naquele breve devaneio, todas elas davam frutos e flores ao mesmo tempo. Colhi acerolas e jabuticabas maduras e, com as mãos rubro-negras, fui à procura de outras cores. Parei diante do lilás das buganvílias plantadas bem embaixo da janela do meu quarto. Seus troncos tomavam toda a parede lateral da velha casa. Elas escureciam o quarto, abalavam a frágil estrutura da casa, mas eu não me importava com isso, nem minha mãe. Ela jamais deixou meu pai cortar as flores. Mamãe e eu concordávamos com a personagem do conto "Buganvílias", de Drummond: "A casa pode vir abaixo, e seremos soterrados por tijolos e flores, mas todo o poder às buganvílias!"

Deixei as buganvílias e, caminhando em torno da casa, cheguei ao pequeno jardim do qual minha mãe cuidava com muito carinho. Ali, revi as hortênsias, as malvas as begônias, o colorido tinhorão e as rosas... pobres rosas, a grande frustração de mamãe! A rainha das flores não sobrevivia em nosso jardim! As formigas não deixavam. Não havia veneno que destruísse aquelas danadinhas! Mamãe tentou de tudo, mas acabou hasteando a bandeira branca, desistiu de cultivar as rosas.

O perfume das flores deu lugar ao cheiro de café coado na hora. Levada pelo doce aroma, entrei na cozinha e, lentamente, passei para a sala, revi os quadros que adornavam a parede, os bibelôs na estante, e fui para o meu quarto escuro, de onde, na penúmbra, admirei mais uma vez o quadro natural: a buganvília na janela. Assim, passeei por quase todos os cômodos da casa, só não consegui entrar no quarto onde vi o meu pai pela última vez. Da porta entreaberta pude vê-lo tentando sugar o último resquício de ar; essa é a lembrança mais dolorida! Imediatamente, saí dali e voltei à raiz do ipê, fui tirar satisfação, mas já era tarde! Acabaram as viagens, o ônibus chegou ao destino e eu voltei ao presente. Fui trabalhar normalmente.