domingo, 19 de julho de 2009

As mordidas na maçã


Era manhã de primavera. Final da manhã. Sábado. Gracinha sai da sala de aula um pouco entediada, queria aprender novos métodos de ensino, mas o curso não corresponde às suas expectativas. Tudo bem, horário do almoço! Pausa para se refazer do tédio inicial e preparar a mente para o período vespertino.
Gracinha convida as novas colegas para uma breve visita ao parque, mas elas não aceitam. É o primeiro dia de aula, precisam conhecer a região, descobrir os melhores restaurantes e lojas para umas comprinhas após a aula. Assim, as colegas seguem caminho e Gracinha para em frente ao portão do parque. Lembranças faíscam em sua mente, como raios de uma tempestade. Aquele local foi palco de momentos felizes da menina Gracinha. Ali, parada, ela se vê novamente andando de trenzinho, correndo e rolando na grama, e dando pipoca aos macacos e aos peixinhos. Hoje, depois da reforma, não há mais animais, além dos peixes, e nem brinquedos de grande porte, somente os tradicionais balanços, gangorras e escorregadores. Gracinha sabe disso porque viu na TV. Agora, quer entrar e conferir pessoalmente.
Gracinha entra no parque. Caminha lentamente, como se quisesse retardar a inevitável constatação da mudança. O que ela viu na televisão era verdade. O parque perdeu a graça e Gracinha perdeu o parque da infância.
Mas, ainda restam os peixinhos! Gracinha caminha em direção ao lago, sobe na pequena ponte de madeira trabalhada, sobrevivente à reforma. A jovem olha para a água à espera dos peixinhos. Saca da bolsa a maçã que trouxera para o lanche. Os peixes logo começam a se exibir para a visita. Gracinha morde a maçã e se delicia com o espetáculo dos peixinhos. Minutos depois, ela tira os olhos da água e começa a olhar em volta, as árvores centenárias e as flores colorindo a bela manhã. Seu olhar itinerante percebe um senhor, parado a uma certa distância, olhando para ela. Gracinha sente um grande desconforto. De repente, ele se move e começa a se aproximar dela. Gracinha não sabe o que fazer. Sair dali ou esperar pelo estranho senhor? Decide ficar, afinal, é apenas um velho! Ele chega e, mostrando-se amistoso, se apresenta, relata nome, sobrenome e ainda diz que é aposentado do exército, que ganha muito bem. Em seguida, faz muitas perguntas à Gracinha: seu nome, onde mora, a que família pertence, o nome dos pais, se é casada ou não, enfim, uma bateria de interrogações, que ela responde com meias palavras, desconfiada. O velho volta a falar de si, quantos filhos tem, todos casados e independentes. Sempre com os olhos fixos em Gracinha, se aproxima ainda mais e diz que é casado, mas quer trocar a esposa por uma mais jovem. Neste momento, Gracinha engole, de súbito, o último pedaço da maçã, já seco e sem gosto. A mão que segurava a fruta, agora trêmula e molhada, se une à outra mão, também trêmula, e, juntas se agarram ao corrimão da ponte. Gracinha olha novamente para o lago, os peixinhos se foram. O talo da maçã caído ao chão e Gracinha sem saber o que fazer: deveria ser educada com o senhor, afinal, é apenas um velho, ou seria firme com ele, fazendo-o recobrar o bom senso e respeitar a esposa e o casamento?
Indecisa, Gracinha solta a ponte e diz que precisa voltar para o curso que faz ali perto todo fim de semana. O velho, esperançoso, promete voltar ao parque no próximo sábado. A jovem vai embora, olhando para trás. Que alívio! O velho fica parado perto da ponte, mas os seus olhos seguem Gracinha até o portão.
Já na rua, sentindo-se aliviada, Gracinha conversa consigo: será que aquele velho a confundira com aquelas mulheres que trabalham nas calçadas do parque? Não, não poderia ser, eram apenas onze e meia da manhã!

2 comentários:

Luiz Caio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiz Caio disse...

Oi Carla! Boa noite!

Situação dificil e muito perigosa! Poderia ser apenas um velho assanhado tentando se dar bem. Mas poderia também ser um maníaco... Seja como for, Gracinha não deve voltar lá novamente Sem uma boa companhia!

BEIJOS, FLOR.

TENHA UM LINDO FINAL DE SEMANA!