sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O baile da madrugada


o som da chuva se mistura
ao som do ventilador
saudade em movimento
in vento ao vento
a trilha sonora do amor
que é só meu
nessa fina sinfonia
sintonizo você
no meio da madrugada
com vento ali menta a brasa
nessa louca melodia
bailamos entre mãos e pernas
pés a braços
aurora traz o dia
a chuva cessa sua música
desfaço minha harmonia

domingo, 25 de janeiro de 2009

Brincadeira


Atendendo ao desafio passado pela querida Jacinta, segue a frase que retirei do livro "Redação Inquieta", de Gustavo Bernardo:

"Tempo é dinheiro" era um dos mais importantes slogans da ideologia capitalista, e o "relógio de ponto" um dos mais importantes entre os novos funcionários criados pelo sistema.

A brincadeira consiste no seguinte: pegar o livro mais próximo, abrir na página 161, procurar a quinta frase completa, colocar no blog e passar para cinco pessoas.
Passo o desafio para Luis Caio, do "Assim eu vejo"; Paula Barros, do "Pensamentos e fotos"; Cackau Loureiro, do "Café com creme"; Carla, do "Palavras em desalinho" e o ET mais simpático da galáxia, do "Atirandeletra".

Divirtam-se!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A cena


Quatro horas da tarde. Laura estava passando rapidamente pela orla. Ela gosta de observar a praia, as pessoas no calçadão, jovens e idosos. Na areia quente ainda há gente à procura do último bronzeado. No horário de verão o sol ainda é abundante nesta hora, e perigoso. De repente, Laura avista uma senhora tirando a canga e deixando lentamente à mostra o seu corpo, digamos, grotesco. Seios e bunda fartos - fartos de banha e celulite - pensou Laura.
Dificilmente alguém olharia tanto aquele corpo, mas Laura olhou, ficou alguns segundos admirando, não o corpo, e sim a coragem da mulher, que não parecia preocupada com o que os outros iriam pensar ou dizer. Naquele momento Laura sentiu uma profunda vontade de pisar na areia e mergulhar no mar, mas as convenções a impediram. Não saiu de casa para ir à praia, tinha outras coisas para fazer. Assim, diante do desejo não satisfeito, Laura começou a se sentir estranha, a sua própria inimiga. Desta forma, percebeu que vive dividida entre o que quer e que deve fazer. Muitas vezes, o que ela quer fazer, não deve, e acaba se conformando em não fazer, por outro lado, o que não quer é o sempre acaba fazendo. Daí veio a raiva, ela teve repulsa de si, por não ter coragem de burlar as convenções.
A gorda tem coragem de mostrar suas banhas e celulites, enquanto Laura, com menos gordurinhas mau localizadas e bem menos celulite não tem coragem sequer de falar a vardade aos amigos quando recusa um convite para ir à praia, dizendo que não gosta de praia.
Aquela mulher na praia, velha e gorda, sem vergonha das suas banhas e celulites, abriu os olhos de Laura. Diante daquela cena, Laura não teve vergonha do seu corpo, mas sentiu uma vergonha muito pior...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ester


Ester caminha pela estrada
Pisa firme passos fortes
Ignora obstáculos
Transforma pedras em espumas

Ester caminha pela estrada
Deixa poeira para trás
Enxerga o mundo à sua frente
Sabe onde quer chegar

Ester caminha pela estrada
Sente a liberdade roçar seu rosto
Estende os braços toca estrelas
Dá luz à sua senda

Ester caminha pela estrada
O sol se pôs
A noite dormiu
Mais um ciclo venceu

Ester caminha pela estrada
O sol surgiu
O dia acordou
Mais um ciclo venceu

Ester caminha pela estrada...

sábado, 3 de janeiro de 2009

Sabor de infância


Na casa da prima, ao olhar aquele quadro na parede, Clara visualizou a sua infância. Lembrou das deliciosas viagens de trem para Minas Gerais. Ela gostava das paisagens ao longo da estrada de ferro: os pastos verdinhos, os bois no alto das colinas, o doce Rio Doce, com suas águas barrentas seguindo o caminho inverso ao do trem. Mas, o que Clarinha mais gostava era de olhar para baixo e ver o movimento da linha entrando e saindo de debaixo do trem. Ah! Aguardava ansiosa a chegada do túnel. No escurinho, sentia um ar de mistério, algo inexplicável, que logo se desfazia com os primeiros raios de luz, que novamente invadiam o vagão.
Ao desembarcar na estação da pequena cidade, toda brilhosa - pó de minério para ela era purpurina - Clarinha se sentia feliz porque ia rever a encantadora casa da tia, com suas janelinhas azuis, e cercada pelas frondosas mangueiras do quintal. Das janelas, Clarinha estendia os pequeninos braços e pegava as suculentas mangas; em outros momentos, a menina pulava a janela e ia se deitar sobre a espessa raiz do pé de manga espada, ela gostava de ficar espiando os pedacinhos de sol que atravassavam as folhas. Quando se cansava de brincar com os raios de sol, Clarinha escalava a mangueira e, lá do alto, jogava os caroços de manga no telhado da casa, que, vista de cima, parecia casinha de boneca.
Numa dessas viagens, a prima Sandra deu para Clarinha uma enorme boneca. Felicidade igual, a menina jamais experimentara, já sonhou ganhar uma boneca quase do seu tamanho, mas não esperava que um dia esse sonho se tornasse realidade, pois sabia que seus pais jamais poderiam lhe dar um presente caro assim. Mas a boneca dos sonhos veio de onde Clarinha não esperava. É verdade que era uma boneca velha, com a qual a prima, já mocinha, havia enjoado de brincar e, para não jogar fora, deu para a priminha, mas, para Clarinha, isso não tinha importância, era o melhor presente que já recebera na vida. Não desgrudava da boneca.
Na volta para casa, só alegria! Na estação, Clarinha via o trem vindo de longe, serpenteando pelo caminho de ferro. Entrou no vagão com o sonho no colo, apesar da dificuldade em carregar uma boneca tão grande. Acomodou-se na janela e veio tomando vento e pó de minério no rosto, vendo a paisagem e cantando. Colocou a boneca na janela do trem, segurando-a por uma das pernas. De repente, a tragédia! Clarinha entra em desespero. Chora, grita, berra! Não quer acreditar que seu sonho ficou na linha do trem. Na sua inocência de criança, a menina acredita que o pai possa falar com o maquinista, pedir para parar o trem, descer e trazer a sua boneca de volta. O pai, muito calmo, e, sentindo a dor da filha, insiste em dizer que nada pode fazer. A mãe, muito nervosa e envergonhada com o escândalo da filha, diz para a garota calar a boca e jogar fora a perna da boneca, e ainda aumenta mais a dor da criança dizendo que perdeu a boneca por culpa dela mesma, que se tivesse obedecido à ordem de guardar o brinquedo, nada disso teria acontecido... coisas de mãe!
Como Clara previa, jamais teve uma boneca igual àquela que teve por poucas horas. Nunca mais saboreou as mangas de Minas. A tia vendeu a casa e mudou-se para o Espírito Santo, seguindo o exemplo de todos os familiares. Usufruiu as praias por pouco tempo. Hoje, ela habita um gélido quarto de hospital, e as mangueiras que a cercam não dão suculentos frutos, no entanto, lhe dão vida, se é que podemos chamar isso de vida... Agora, as visitas que Clara faz à tia não têm sabor de manga, têm o sabor amargo de uma despedida irrevogável, mas teimosa. Mas, naquele dia, na volta do hospital, ao passar na casa da prima, Clara sentiu um gostinho de manga espada quando deteve-se por instantes diante de parte da sua infância pendurada na parede da sala.